Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009

O turno da noite

Chego ao local de trabalho, para mais uma noite…trabalhar de noite, para uns significa não fazer nada (admito que até eu pensava assim), mas não, trabalhar de noite, ser enfermeiro de noite, consegue ser muito gratificante.
Ao passar pelas poucas pessoas que ainda não estão no quarto a dormir dirijo-lhes um “Olá e boa noite!”, sempre que possível com boa disposição. Eles não têm culpa dos problemas que possa ter na minha “outra vida”. Para eles sou o enfermeiro…ou apenas o Fernando, com quem a maioria das pessoas de lá “passa” as noites há quase um ano. Se a noite é assustadora para a maioria dos “meus velhinhos”, gosto de lhes transmitir segurança, que o amanhã é um novo dia no qual estaremos presentes…mesmo sabendo que por vezes isso não acontece.
Antes de todos adormecerem, passo por alguns quartos para algo que tenha que fazer. Aproveito esses pequenos momentos para conversar com os “meus amigos”. Numa idade avançada, não conseguimos dormir tantas horas por dia. As insónias assolam quase todos, a medicação para dormir é quase obrigatória e mesmo assim pouco se dorme…por isso uns dedos de conversa, a qualquer hora da noite, são sempre bem recebidos. Pergunto sempre como correu o dia…apesar de saber que para a maior parte deles os dias repetem-se, sem nada de novo…com quem ainda vê e se preocupa com as notícias, dá para discutir a actualidade…com quem vê a meteorologia, para discutir o tempo, o que fez e o que vai fazer. Com os outros que nada disto lhes interessa…aproveito para ouvir as histórias que têm da sua já longínqua infância…recordações dos filhos, do trabalho…da sua vida.
Acredito ser um bom ouvinte, procuro mostrar sempre atenção, não interromper…tive estágio com o meu avô, o melhor contador de histórias sobre a sua vida que conheci até hoje…e sempre que posso continuo a fazer reciclagens dessas lições!
Depois destes pequenos momentos, regresso ao meu refúgio…a noite ainda é longa. Uns dedos de conversa com a colega de trabalho, uma fugida ao msn para matar saudades dos amigos…atender ao toque duma campainha, ás vezes de alguém que apenas quer saber as horas (sim, a noite é assustadora para quem vê o fim a aproximar-se, por isso muitas vezes chamam para saber que estamos ali) ou socorrer alguma urgência real (ou pensam que perguntar as horas para eles não é urgente?).
Vem a mudança das fraldas. Trabalho menor de um enfermeiro? Não considero. Não temos nenhuma técnica especial para mudar as fraldas, mas alguém tem que o fazer. Aproveito esses momentos para mais uns dedos de conversa. Para ver se está tudo bem com eles.
Chega o amanhecer…6 às 8 horas não se pára. O trabalho da noite tem a particularidade de ter momentos mortos, mas os momentos em que se está a trabalhar são nonstop!
Vem a colega, passo o turno, espero não ter-me esquecido de nada. Sei que vou para casa a rever tudo o que fiz no turno…há quem lhe chame reflexão ou preocupação. Outros podem dizer que é insegurança. Eu não acho que seja insegurança. Somos humanos, podemos errar. Negá-lo é favorecer o erro. Temos consciência que um erro nosso tem outra designação…negligência. Lidamos com pessoas, com vidas, uma simples distracção nossa pode custar isso. Quem é que nunca errou no trabalho? Mas nós não podemos. Temos familiares, processos, chefes, tudo a cair em cima de nós…mas o pior de tudo, temos a nossa consciência. Por respeito às outras profissões não vou fazer comparações. São os riscos e responsabilidades da profissão (seja enfermeiros ou médicos), aceitamo-los e não perdemos muito tempo a pensar neles…corríamos o risco de nada fazer. Há quem diga que somos bem remunerados, principalmente os médicos. Eu acho que não. Nem os médicos, nem principalmente nós. E as pessoas reconhecem-no quando estão em situações criticas “Pago tudo o que for preciso, mas ponham-me bem!” Mas nós não andamos lá pelo dinheiro (só, porque também não somos a Madre Teresa) …nenhum dinheiro do mundo paga o sofrimento que se vê e sentimos, o vermos uma vida a apagar-se (ou muitas), os ritmos biológicos alterados…o que nos recompensa, o que nos motiva a seguir em frente, é sabermos que um dia fizemos a diferença na vida de alguém, que devolvemos o sorriso, a vontade de viver ou até mesmo a vida a alguém ou que ajudamos alguém a despedir-se desta vida com dignidade.
Saio do local de trabalho, despeço-me dos meus amigos que já estão acordados como um sonoro e sorridente “Bom dia, como estás?” e ás vezes com um cumprimento de mão ou um beijinho (refira-se que trato todas estas pessoas pelos nomes, nunca usei o termo “senhor” ou “senhora”, nem numa me chamaram enfermeiro…lá sou o Fernando)! Fica a sensação que podia ficar ali mais um turno inteiro, mas a cabeça, o corpo precisam de descanso.
Fim do turno…
Sinto-me: Enfermeiro
Roído por Queijo Jeitoso às 03:48

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